É no começo do ano que muitas pessoas decidem pôr em prática planos antigos. Momento propício para assumir a coragem de mudar de trabalho, adotar um estilo de vida saudável ou até mesmo se mudar de casa.
A propósito, o tema “moradia” ganhou imenso destaque em 2020, a partir da invasão da pandemia da Covid-19 no território brasileiro, quando tivemos então de nos recolher e prestar real atenção ao que nós comumente chamávamos de lar.
Contudo, a festejada mudança de casa após a virada do ano, infelizmente também tem se mostrado como um sintoma de um instável e não desejado contexto de rompimentos de contratos.
Racionalidade ou obtenção de vantagem?
Diante da sede do brasileiro em litigar e do surgimento de decisões judiciais, com certa cara de loteria, a obrigação de pagar o aluguel durante a pandemia tem sido relativizada por decisões judiciais de diferentes perfis.
São determinações judiciais que variam desde a rígida manutenção integral do contrato, passando também pela suspensão temporária da obrigação - sem ou com a necessidade de reposição dos valores -, até a fixação peremptória de descontos sem quaisquer parâmetros.
Embora bem-intencionada, a difusa revisão contratual decorrente da larga judicialização dos contratos de locação, além de promover insegurança jurídica, pode também atingir as condições econômicas de proprietários e locadores de imóveis que, não raro, precisam desses rendimentos para sobreviver.
Se uma imposta revisão do contrato não aparenta ser positiva, o cenário se torna ainda mais grave ao se perceber a formação de uma conveniente onda surfada por aqueles que desejam escapar em definitivo das consequências do inadimplemento do aluguel, lançando mão do instituto da resolução do contrato por onerosidade excessiva, previsto no art. 478 do Código Civil:
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”
No entanto, é preciso cautela ao se alegar a onerosidade excessiva do contrato, sob pena do expediente cair em descrédito.
Sabe-se que muitos setores sofreram perdas financeiras, mas isso não ocorreu, por outro lado, nos segmentos agropecuário, imobiliário, farmacêutico, e de supermercados, por exemplo.
E, mesmo nos setores que sofreram prejuízo, será mesmo que em todos os casos um dos contratantes auferiu extrema vantagem econômica enquanto o outro esteve em severa penúria, ou será que ambos os contraentes, ainda que em distintos graus, foram vítimas da crise?
Dessa forma, é preciso averiguar se a alegação de imprevisibilidade, extraordinariedade ou inevitabilidade dos efeitos da pandemia é mesmo séria ou se se tornou banal, ao ponto de incorretamente se presumir que todos os inquilinos possam estar sofrendo de maneira uniforme os efeitos econômico-jurídico-sociais da Covid-19.
No caso de locações residenciais, uma simples análise da ocupação exercida pelo locatário pode ser o pontapé de uma negociação objetiva.
O locatário é um profissional liberal, dono de um restaurante, que teve de ser fechado por meses ou mesmo aberto com capacidade reduzida, ou um servidor público, que goza de estabilidade?
A busca de informações claras quanto ao contexto em que se insere qualquer contratante nunca é demais!
Identifique critérios
Rumando-se a quase 1 ano da propagação do Coronavírus no Brasil, a consequência direta no mercado de alugueis pode também ser objetivamente aferida, a partir da análise do IGP-M/FGV, Índice Geral de Preços – Mercado, calculado e divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, comumente utilizado para o reajuste do preço dos valores locatícios.
O IGP-M é largamente utilizado porque ele traz um compilado de outros três índices, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), e representa de modo geral a variação dos preços no mercado brasileiro do valor de commodites, como soja, carne, gasolina, matérias-primas da indústria, bens, serviços e até mesmo a variação do dólar.
Logo, dada sua abrangência mercadológica, a eleição do IGP-M/FGV seria o fiel da balança também para recomposição do valor do aluguel.
Porém, em 1 ano, especialmente, no acumulado dos meses de novembro/2019 a novembro/2020, o IGP-M/FGV disparou em mais de 24,5%.
Em números, isso quer dizer que se o valor pago por mês a título de aluguel é de R$ 1.600,00, com a alta do IGP-M, após esse período, o mesmo aluguel passará a custar R$ 1.992,00.
Em 1 ano, esse desembolso representa a quantia de R$ 4.704,00 - apenas a título de reajuste - o que tem gerado forte discussão do lado dos inquilinos.
Portanto, antes de submeter eventual conflito quanto ao cumprimento do contrato para que um terceiro decida, seja um juiz, árbitro, mediador ou um conciliador, identifique precisamente os critérios que compõem o preço do aluguel, não apenas pelas características físicas do imóvel ou a região em que ele se situa, que podem dar azo a subjetividades; mas foque algo mais pragmático, como o próprio índice utilizado para o reajuste.
Negocie e negocie
Uma profusão de extinções de contratos gera prejuízo à própria sociedade, que se movimenta pelo ciclo das atividades econômicas de seus indivíduos, que dependem uns dos outros para a manutenção de sua estabilidade.
Portanto, sair por aí rescindindo contratos, para momentaneamente se estancar uma sangria, em visão macroscópica, acarreta o grave risco de gerar ou aprofundar uma recessão econômica e, como se sabe, uma série de outros efeitos colaterais na sociedade.
Portanto, o equilíbrio em todos os aspectos é fundamental para atravessar qualquer período adverso. Os contraentes devem cooperar entre si, para chegarem a um ponto comum, sobre como proceder nesse delicado momento, para que não formem uma nova bola de neve no campo judicial e uma avalanche de demandas de resultados aleatórios.
Por isso é importante identificar o comportamento do seu inquilino, não só depois da celebração do contrato, mas também como antes ele exteriorizava sua vontade, já que seu padrão de conduta está diretamente ligado à boa-fé-objetiva, ou seja, à expectativa nutrida pelo contratante a partir das atitudes do outro contratante.
Um incentivo, nesse aspecto, foi a publicação da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) que incluiu no art. 421, seu parágrafo único, que diz:
Art. 421. (...) Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual
Por isso, a manutenção do contrato, como originalmente celebrado pelas partes, tem sua importância resgatada pelo atual direito positivo.
No entanto, ainda temos fortes sinais de um Estado Paternalista, de modo que, em vez de arriscar o destino do seu contrato a qualquer sorte, com custo de tempo, dinheiro e energia no Poder Judiciário, é muito mais saudável que proprietário e inquilino, em caso de divergência, cheguem a um bom termo, que pode se dar pela mera troca do índice de correção do aluguel, em vez da pronta e imprecisa modificação do valor em si.
Alguns locadores têm proposto a troca do IGP-M/FGV pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, calculado e divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IPCA/IBGE), utilizado como parâmetro oficial da inflação no Brasil, já que mede o consumo de produtos e serviços no varejo pelas famílias brasileiras.
Embora existam discussões doutrinárias de que o Direito Civil não deve abarcar questões sociais e de políticas públicas, relacionadas ao Direito Administrativo, já que se há queda na renda familiar e, no caso, iliquidez para o pagamento do aluguel, o particular, pela força obrigatória dos contratos, não poderia ser penalizado pelos efeitos de eventual má-gestão ou ineficiência do papel do Estado a impedir esses reveses econômicos.
Contudo, não há como fugir da existência de um dilema prático.
Ainda que para muitos possa não ser o ideal, o caminho certamente mais razoável e próximo do real, para manter a taxa de ocupação dos imóveis, o fluxo de rendimentos, e evitar uma crise no setor imobiliário, principalmente, incentivada por eventual instabilidade jurisprudencial, é a ponderação, o diálogo e, sobretudo, a manutenção dos contratos em tempos de crise pelo proprietário e inquilino, ainda que por meio de uma série de novos, mas convergentes, ajustes.
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Eduardo Rezende Campos é advogado, presidente da Comissão de Processo Civil da OAB-MS, membro da Comissão de Direito Imobiliário, Urbanístico Registral e Notarial da OAB/MS e do IBRADIM.
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