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Foto do escritorJaqueline Rezende Nogueira

Comprar, pagar e não levar o imóvel: sim, isso acontece todos os dias.




Observe a seguinte situação: José comprou um imóvel de Naluá Empreendimentos. Assinaram contrato particular de compra e venda e, posteriormente, realizaram a lavratura da Escritura Pública de Compra e Venda, efetuando-se o devido pagamento.


Até aqui, tudo bem. Mas, como lidamos com o que não está tudo bem, aí vem o restante da história: tramitava contra a vendedora várias ações de execução fiscal, muito embora, não houvesse nenhum óbice ao registro na matrícula do imóvel.


Bom, diante da situação exposta, a dúvida que não quer se calar: José pode adquirir com segurança o referido imóvel já que na matrícula do mesmo nada consta como impeditivo?


E aqui preciso informar que estamos diante de um dos pontos cegos do nosso ordenamento e que recai diretamente sobre a segurança jurídica na aquisição de imóveis e mais especificamente, no risco trazido pela fraude à execução.


Veja o que dispõe a respeito o art. 792 do Código de Processo Civil:

Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; (...)

Tratando do mesmo tema, temos a Súmula 375, do STJ, que preconiza que o reconhecimento de fraude à execução depende única e exclusivamente do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. Em outras palavras, de acordo com a referida súmula, bastaria que José consultasse a matrícula do imóvel e estaria resguardado em relação à sua boa-fé.

Aliado a esse entendimento, temos o art. 54 da Lei 13.097/15, principalmente em seu parágrafo único, que trata do princípio da concentração dos atos na matrícula, ou seja, toda e qualquer situação jurídica que modifique ou que possa modificar a condição do bem, deve estar averbada na matrícula do imóvel. Mais uma vez, repise-se, bastaria José consultar a matrícula do imóvel para que a segurança jurídica do negócio se concretizasse.


Como se não bastasse, o parágrafo 2º do citado art. 792 do Código de Processo Civil também desobriga o terceiro adquirente da necessidade de obter certidões dos vendedores.


Assim, no exemplo citado, como o credor da Naluá Empreendimentos não foi diligente em averbar, dar notariedade à penhora ou à pendência de ação de execução em curso na matrícula do bem ora alienado a José, nada impediria que o mesmo levasse até 0 fim a transferência do bem para seu nome com a devida segurança jurídica. Certo? Errado!! Aqui, precaução é a palavra de ordem, já que estamos navegando em águas incertas.


Do ponto de vista jurídico, José estaria relativamente respaldado para defender o seu direito de propriedade, mas ficaria à mercê de entendimentos jurisprudenciais contraditórios, baseados no fato de que o inciso IV, do citado art. 792 não esclarece o que de fato caracteriza a fraude à execução: se seria a boa-fé do terceiro adquirente ou se seria a presença de uma ação em curso capaz de reduzir o devedor, ora vendedor, à insolvência.


A um primeiro olhar, parece confuso a dinâmica do raciocínio acima, mas perceba: Se não fosse o malfadado inciso IV do art. 792, seria límpido e transparente o comando legal no sentido de que a boa-fé do comprador restaria demonstrada simplesmente com o fato de ele verificar algum impedimento na matrícula do imóvel. Simples assim, até porque, convenhamos, faz todo sentido, já que é a matrícula do imóvel que contem (ou deveria conter) todas as informações acerca do bem.


Mas não é assim que acontece na prática, pois o referido inciso, na contramão, aventa a possibilidade de macular a boa-fé do terceiro adquirente se ele desconhecer a existência de alguma ação em curso contra o vendedor e que seja capaz de leva-lo à insolvência.


Assim, por cautela e prudência, recomenda-se que o comprador faça uma vasta pesquisa sobre possíveis ações de execução em curso, pois caso contrário ficará à mercê de entendimentos vários em relação a sua boa-fé. Perceba que com esse entendimento truncado, tudo se complica, pois fica a cargo do comprador, sob pena de incorrer em má-fé, verificar ações em curso em outras comarcas, inclusive. Ou seja, fica cada vez mais intangível revestir o negócio com o manto da segurança jurídica.


E aqui é importante registrar duas informações adicionais:

  1. A fraude contra à execução não se confunde com a fraude contra credores, possuindo ambas remédios de cura diferentes; e sendo a fraude contra à execução mais grave por violar a própria atividade jurisdicional do Estado, já que há ação de execução em curso.

  2. Está tramitando na Câmara dos Deputados a proposta de lei PL 5.882/16 que visa modificar a redação do inciso IV, do art. 792, complementando-o com o entendimento do art.54,IV e parágrafo único, da Lei 13.097/15 que prestigia o Princípio da Concentração dos atos na matrícula.

Com isso, encerramos esta exposição enfatizando a importância da presença de um profissional especializado no momento em que se compra ou se vende um imóvel, isso porque, muitas dores de cabeça podem ser evitadas se as partes envolvidas contarem com uma boa assistência.


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