Multipropriedade imobiliária e a promulgação da Lei nº 13.777/2018.
Você já ouviu falar em multipropriedade imobiliária ou em time sharing? Essa forma de co-propriedade foi incorporada e regulamentada no direito civil brasileiro através da recentíssima Lei nº 13.777/2018, publicada no Diário Oficial da União no dia 21 de dezembro de 2018.
Pode-se dizer, ainda, que essa nova lei – oriunda do Projeto de Lei nº 10.287/2018, passou a regulamentar o regime jurídico da multipropriedade de imóveis e o seu registro, introduzindo novos dispositivos no Código Civil e, também, na Lei de Registros Públicos, além de delimitar questões sobre a transferência e a administração da propriedade compartilhada.
Mas afinal, o que é multipropriedade?
De acordo com a norma, que incluiu o artigo 1.538-C no Código Civil, a multipropriedade imobiliária nada mais é do que “o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”.
Explicando de uma maneira mais clara, pode-se dizer que essa forma de co-propriedade permite o compartilhamento de imóveis, com uso em tempo proporcional ao investimento que foi realizado pelo proprietário. Sendo assim, na prática, um mesmo imóvel terá diversos donos, tendo em vista que cada um deles pagou por apenas uma FRAÇÃO do valor total da propriedade.
De tal modo, cada um dos titulares exercerá pleno domínio sobre o imóvel em períodos do ano pré-determinados. Para essa situação, dá-se o nome de time sharing, que é quando os adquirentes possuem a propriedade e podem utilizar o bem por quantidades de tempo previamente fixadas entre os donos. Como exemplos disso, podemos citar as casas de veraneio, resorts, recantos de repouso e férias.
Origem da multipropriedade imobiliária e sua aplicação no Brasil
Esse sistema teve origem na década de 60, quando iniciativas semelhantes surgiram na Europa e nos Estados Unidos. Embora não se configure um instituto novo no Brasil, não havia uma regulamentação quanto a sua utilização, fato que acarretava em dificuldades aos registradores de imóveis ao averbarem a situação na matrícula do imóvel.
Isso porque, os direitos reais precisam estar tipificados em lei, de modo formal. E, por força dessa lacuna legislativa, muitos registradores de imóveis evitavam a efetivação dos registros e averbações das multipropriedades imobiliárias na matrícula do imóvel, diante da grande insegurança quanto a sua natureza jurídica.
Por conta disso, empreendimentos baseados nesse sistema deixavam de ser realizados no Brasil. No entanto, com a lei recém publicada e que logo entrará em vigor, esse cenário de incertezas está superado. Assim, com a regulamentação da multipropriedade imobiliária ou time sharing, proporcionou-se que indivíduos e empresas pudessem ter acesso a bens de alto padrão e valor que seriam inatingíveis de forma individual, além de outros benefícios.
Quais seriam esses benefícios?
Podemos te afirmar que, os principais benefícios são:
Direito à propriedade;
Acesso a bens de valor elevado;
Aumento da segurança jurídica;
Direito de usufruir do imóvel em períodos determinados;
Otimização da utilidade do bem e de sua função social;
Divisão proporcional de custos e despesas;
Desembolso proporcional ao tempo de utilização do bem em questão;
Mais liquidez financeira e, em consequência disso,
Geração de riqueza para outros investimentos;
Possibilidade de remunerar o tempo em que o bem não é usufruído.
Com isso, a expectativa do mercado é que, através da regulamentação, os investidores e consumidores tenham mais segurança jurídica e interesse na realização desse tipo de negócio.
Nesse momento, creio que você deve estar se perguntando... “tudo bem, já entendi os benefícios... Mas:
E na prática, como isso realmente funciona?”
O instituto da multipropriedade, como já mencionamos, permite que um mesmo imóvel – casa de praia ou campo, flat, village, quarto de hotel, entre outros – seja utilizado de forma compartilhada por diversos multiproprietários, com divisão fracionada do tempo para uso e gozo do imóvel entre eles, sendo que cada período não poderá ser inferior a 7 dias (artigo 1.358-E do Código Civil), podendo esse período ser:
Fixo e determinado (ex. segunda semana de abril, dias 15 a 21 de junho, etc);
Flutuante, ou seja, variável de tempos em tempos, mediante procedimento objetivo que respeite a objetividade, transparência e o tratamento isonômico, em relação a todos os multiproprietários, ou
Misto, isto é, combinando as características dos sistemas fixo e flutuante.
Assim, durante o período que um dos multiproprietários estiver utilizando o imóvel, este poderá usar o bem, locá-lo ou simplesmente não o ocupar.
Além disso, todas as despesas do bem, como IPTU e condomínio, serão rateadas entre os multiproprietários com base na sua respectiva coparticipação.
Ainda segundo a lei, a multipropriedade não será extinta automaticamente se todas as frações de tempo forem do mesmo proprietário (artigo 1.358-C, parágrafo único do Código Civil). Da mesma forma, o imóvel objeto da multipropriedade será indivisível, não podendo ser sujeitado a ação de divisão ou de extinção condominial (artigo 1.358-D, I, do Código Civil).
Convém destacar que essa nova espécie de condomínio poderá ser instituída por ato inter vivos ou por testamento, sendo que o período correspondente à fração do tempo deverá ser registrado na matrícula do imóvel, conforme artigos 1.358-F e 1.358-H do Código Civil e artigo 176, §10, da Lei de Registros Públicos.
Direitos e deveres dos co-proprietários
Além daqueles direitos previstos no instrumento de instituição e na convenção do condomínio em multipropriedade, a lei tratou de elencar alguns outros, os quais estão previstos no artigo 1.358-I, do Código Civil:
Art. 1.358-I. São direitos do multiproprietário, além daqueles previstos no instrumento de instituição e na convenção de condomínio em multipropriedade:
I - usar e gozar, durante o período correspondente à sua fração de tempo, do imóvel e de suas instalações, equipamentos e mobiliário;
II - ceder a fração de tempo em locação ou comodato;
III - alienar a fração de tempo, por ato entre vivos ou por causa de morte, a título oneroso ou gratuito, ou onerá-la, devendo a alienação e a qualificação do sucessor, ou a oneração, ser informadas ao administrador;
IV - participar e votar, pessoalmente ou por intermédio de representante ou procurador, desde que esteja quite com as obrigações condominiais, em:
a) assembleia geral do condomínio em multipropriedade, e o voto do multiproprietário corresponderá à quota de sua fração de tempo no imóvel;
b) assembleia geral do condomínio edilício, quando for o caso, e o voto do multiproprietário corresponderá à quota de sua fração de tempo em relação à quota de poder político atribuído à unidade autônoma na respectiva convenção de condomínio edilício.
Já em relação as obrigações, estas passam a ser previstas no artigo 1.358-J do Código Civil, vejamos:
I - pagar a contribuição condominial do condomínio em multipropriedade e, quando for o caso, do condomínio edilício, ainda que renuncie ao uso e gozo, total ou parcial, do imóvel, das áreas comuns ou das respectivas instalações, equipamentos e mobiliário;
II - responder por danos causados ao imóvel, às instalações, aos equipamentos e ao mobiliário por si, por qualquer de seus acompanhantes, convidados ou prepostos ou por pessoas por ele autorizadas;
III - comunicar imediatamente ao administrador os defeitos, avarias e vícios no imóvel dos quais tiver ciência durante a utilização;
IV - não modificar, alterar ou substituir o mobiliário, os equipamentos e as instalações do imóvel;
V - manter o imóvel em estado de conservação e limpeza condizente com os fins a que se destina e com a natureza da respectiva construção;
VI - usar o imóvel, bem como suas instalações, equipamentos e mobiliário, conforme seu destino e natureza;
VII - usar o imóvel exclusivamente durante o período correspondente à sua fração de tempo;
VIII - desocupar o imóvel, impreterivelmente, até o dia e hora fixados no instrumento de instituição ou na convenção de condomínio em multipropriedade, sob pena de multa diária, conforme convencionado no instrumento pertinente;
IX - permitir a realização de obras ou reparos urgentes.
[...]
Tudo bem... já entendi quais os meus direitos e deveres. Mas e
Se eu quiser transferir ou alienar a minha fração de tempo na multipropriedade?
Segundo a lei, você pode alienar e onerar a sua fração de tempo de forma livre, devendo, contudo, informar tal fato ao administrador do condomínio em multipropriedade. Lembrando que a administração da multipropriedade será definida através do instrumento de instituição do condomínio ou por meio de eleição em assembleia geral dos condôminos (artigo 1.358-M, Código Civil).
Vale indicar, ainda, que essa alienação não depende da anuência dos demais co-proprietários, tampouco garante aos demais condôminos o direito de preferência, salvo disposição expressa no instrumento de instituição da multipropriedade, conforme nos ensina o artigo 1.358-L, do Código Civil.
Além disso, importante mencionar que a lei tratou de regulamentar a multipropriedade imobiliária em relação as unidades autônomas de condomínios edilícios, os quais poderão adotar o regime em parte ou na totalidade de suas unidades autônomas (artigo 1.358-O, do Código Civil) e deverão reajustar suas convenções de condomínio e regimentos internos, segundo os artigos 1.358-P e 1.358-Q do Código Civil.
Quanto aos imóveis já existentes, a multipropriedade pode ser aplicada?
No caso de aplicar em apartamentos localizados em edifícios já construídos, te informamos que poderá SIM ser instituído o regime da multipropriedade, desde que exista uma votação para tanto, de preferência unânime, autorizando a inserção desse instituto na convenção condominial.
Assim, de um modo geral, podemos afirmar que a Lei nº 13.777/2018 irá causar grandes impactos importantes e positivos no mercado imobiliário, pois, enfim, introduziu no direito brasileiro a multipropriedade imobiliária, superando o vácuo normativo que, há anos, impedia uma forma estimulante de exploração da propriedade imobiliária.
No entanto, precisamos também reconhecer que caberá a doutrina e jurisprudência identificar as melhores interpretações para os dispositivos legais que regulam a matéria, sem que deixem de analisar um dos princípios constitucionais mais importantes: a função social da propriedade.
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Parabéns pelo conteúdo bem estruturado e esclarecedor Suellen! Assunto super carregado de dúvidas oo que é normal quando se trata de uma novidade legislativa!