Prática comum realizada no mercado imobiliário é a escrituração da transmissão da propriedade por valor inferior ao verdadeiramente pactuado.
É realizado um instrumento, público ou particular (nestes casos, quando o valor do imóvel não ultrapasse 30 (trinta) salários mínimos vigente), declarando valor menor à realidade no negócio, porém, efetuando o comprador o pagamento real do preço.
Exemplo: João pactua com Mariana a venda de seu apartamento por R$1.000.000,00 (um milhão de reais). No entanto, Mariana solicita que o valor a ser repassado na escritura seja de R$500.000,00 (quinhentos mil reais).
Ocorre que essa conduta é ilícita, pois visa impedir a ocorrência do fato gerador do tributo ou de reduzir a sua base de cálculo (ITBI, ITCMD e lucro imobiliário, por exemplo).
Embora sejam inúmeras as motivações econômicas e pessoais que levam, uma ou ambas as partes a adotarem esse procedimento, o objetivo pretendido será sempre a fraude, a sonegação fiscal, a lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. Em alguns casos os contratantes desconhecem os riscos e consequências jurídicas (e patrimoniais) que podem advir desta prática, daí a imprescindibilidade da correta orientação jurídica nessas situações.
Desta forma, a fim de ajudá-los a compreender os riscos que essa simulação acarreta, seguem 03 bons motivos para se escriturar o valor real da negociação.
1. EVICÇÃO
Suponha que a Mariana, em nosso exemplo anterior, tenha fechado o negócio e comprado o apartamento. Passado algum tempo, surge um terceiro afirmando ser o verdadeiro dono daquele imóvel. Caso este terceiro comprove judicialmente ser o real proprietário do bem, Mariana sofrerá o instituto chamado de evicção e perderá o imóvel. Neste caso, João, o vendedor, deverá ser responsabilizado pelos danos causados à Mariana (artigos 447 e seguintes do Código Civil), dentre eles a RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO.
Porém, recordam-se que Mariana havia solicitado que o valor na escritura fosse de R$500.000,00 no intuito de reduzir impostos? Pois bem, será este o valor que ela poderá pleitear em eventual ação judicial, e não o efetivamente pago (um milhão).
2. DIREITO DE PREFERÊNCIA
O artigo 33 da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) dispõe que o locatário preterido no seu direito de preferência, poderá reclamar ao alienante perdas e danos ou, DEPOSITANDO O PREÇO E DEMAIS DESPESAS DO ATO DE TRANSFERÊNCIA, HAVER PARA SI O IMÓVEL LOCADO.
João, que pretendia vender seu apartamento para Mariana, tinha em vigência um contrato de locação com Pedro e, obedecendo ao artigo acima comentado, deu ao seu locatário conhecimento das condições do negócio (R$1.000.000,00). Fundado nestas condições, embora nutrisse muito apego ao imóvel, Pedro renunciou ao exercício de seu direito. No entanto, como vocês bem se lembram, a escritura da venda foi feita por preço inferior ao efetivamente negociado, e Pedro, desconfiado e atento, resolveu solicitar ao Cartório de Registro de Imóveis o registro da escritura de venda e compra negociada, descobrindo que o apartamento havia sido vendido somente por R$500.000,00, valor este que ele poderia pagar pelo imóvel.
O resultado vocês já devem saber. Pedro poderá ensejar a invalidação da transmissão, pois o imóvel fora vendido por valor "inferior" ao que João havia proposto para ele. Ou seja, Pedro foi preterido em seu direito de preferência e tem total faculdade para depositar esse valor (R$500.000,00) e ter para si o imóvel.
3. LUCRO IMOBILIÁRIO
A venda de bens imóveis podem gerar ganhos de capital, os quais ficam sujeitos à tributação conhecida como imposto sobre o lucro imobiliário.
Suponhamos que Mariana, após alguns anos, pretenda vender o apartamento para Júlia, advogada, especialista em negociações imobiliárias e que visa obter financiamento bancário. Frisa-se que o apartamento, por razões de mercado, foi valorizado e passou a valer R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais).
Júlia, conhecedora das implicações que sonegar impostos pode gerar e pretendendo adquirir o financiamento, exige que a escritura seja repassada pelo valor real pelo qual ela irá pagar.
O problema é que Mariana adquiriu o imóvel, de acordo com a escritura, por quinhentos mil reais, obtendo, assim, um lucro de um milhão de reais sobre a venda do apartamento, ou seja, ela TERÁ DE RECOLHER 15% DE IMPOSTO SOBRE ESTE “LUCRO”!
Percebam: Inicialmente, no momento da compra do apartamento, Mariana agiu no intuito de se safar do imposto de forma ilegal, acreditando em uma falsa economia, e agora se vê em um cenário de arcar com uma porcentagem muito maior comparada ao ITBI, na época da negociação.
Estes são somente alguns exemplos de como a simulação gera consequências muito maiores do que efetivamente economia para seu bolso.
Conteúdo produzido para Seleção de Novos Colunistas do blog Mariana Gonçalves - ano 2020.
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Bela colocação, está de parabéns!!!
Dra. parabéns, excelente !!!
Os argumentos lançados em seu nobre texto, infelizmente, ainda é uma realidade no direito imobiliário brasileiro. A falta de assessoria técnico-jurídica no desenrolar da negociação imobiliária, somada ao famigerado anseio de se obter uma economia tributária no ITBI (para não dizer sonegação fiscal), faz com que adquirentes incautos acabem, muitas vezes, tendo prejuízo financeiro ainda maior, nas hipóteses que a Dra. mencionou.
Outra questão que poderia ter sido trazido à baila por Vossa Excelência, é esta mesma problemática, olhada pelo prisma do vício redibitório. Suponhamos que "A" tenha comprado de "B" o imóvel por R$1.000.000,00 e tenha escriturado por R$500.000,00 para recolher ITBI à menor. Suponha que o imóvel, no momento da compra, tivesse um vício…
Parabéns Dra Tatiane. Muitas pessoas gostaram do seu artigo.
Parabéns Dra.. Esclarecedor..
Parabéns Dra. Tatiane! muito elucidador o conteúdo, obrigada por compartilhar seus conhecimentos.