Venda de imóvel para filho: é possível? E se a venda for realizada por alguém que age em nome de outro, utilizando o próprio nome, o famoso “testa-de-ferro” ou “laranja”? Sim! A venda de imóvel para filho é possível, desde que alguns requisitos legais sejam devidamente observados no momento da concretização do negócio.
O Código Civil prevê que a venda de pai para filho é permitida, desde que exista o consentimento dos outros descendentes e do cônjuge de quem está alienando o imóvel, veja:
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Nota-se que o Código Civil estabelece os seguintes requisitos para a realização do negócio: (i) consentimento dos outros filhos; (ii) consentimento do cônjuge de quem está vendendo o imóvel.
Qual o objetivo da lei ao determinar que a venda necessita do consentimento dos outros filhos e do cônjuge do vendedor?
O principal objetivo da lei, ao exigir o consentimento ou a autorização dos filhos e do cônjuge, é evitar que o ascendente beneficie um dos descendentes em prejuízo dos demais. A determinação legal busca evitar a ocorrência de negócios jurídicos simulados.
Em outras palavras, a lei busca impedir que o pai beneficie apenas um de seus filhos, falando que está vendendo um imóvel a ele, quando, na verdade, ele está doando.
Como o consentimento deve ocorrer?
O artigo 220 do Código Civil dispõe que:
Art. 220. A anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento.
Conforme descrito acima, a anuência ou a autorização dos herdeiros deve acontecer de acordo com o mesmo instrumento que foi firmado o negócio. Além disso, o consentimento deve ocorrer de maneira expressa.
Exemplo: O pai efetuou a venda de um imóvel para um dos filhos. O valor do imóvel era superior a 30 salários mínimos. Nessa hipótese, a anuência ou a autorização deverá ocorrer por meio de escritura pública.
Quais são as consequências no caso da não observância aos requisitos legais?
Se a venda não obedecer aos requisitos legais, o negócio será ANULÁVEL e não NULO.
E o que isso significa? Significa que mesmo que a venda tenha sido realizada sem o consentimento dos herdeiros, será permitida a manutenção do negócio, com a sua posterior confirmação.
Agora, se a intenção dos herdeiros é desfazer o ato, será necessário o preenchimento de alguns requisitos para que a venda seja anulada. Para conferir quais são os requisitos, basta clicar aqui: https://www.marianagoncalves.com.br/post/negocio-de-pai-para-filho-posso-comprar-um-imovel-do-meu-pai.
O que acontece se um dos filhos ou o cônjuge não concordar com a venda do imóvel injustificadamente?
A lei não estabelece expressamente o que deve ser feito nessa situação. Todavia, a maioria dos autores entendem que a recusa imotivada, por um dos herdeiros, pode ser suprida por meio de uma autorização judicial.
Assim, caso seja constatado que a recusa é imotivada, a parte interessada pode ingressar com uma ação de suprimento judicial.
Contudo, apesar de a lei estabelecer os requisitos acima para que a venda seja realizada regularmente, bem como trazer algumas alternativas para a solução dos casos nas hipóteses em que há ausência de consentimento e para os casos em que a anuência é imotivada, não é incomum que a venda de imóveis entre ascendente e descendente ocorra por meio de interposta pessoa, o conhecido “laranja” ou “testa-de-ferro”.
O popular "testa-de-ferro'' é aquela pessoa que age em nome de outra, utilizando nome próprio, com objetivo de burlar a lei. A opção é utilizada como uma tentativa de enganar os demais filhos e o cônjuge. E o que acontece quando a venda é realizada por meio do “testa-de-ferro”, isto é, interposta pessoa? ?
Neste caso, os herdeiros poderão ingressar com uma ação judicial, buscando a desconstituição da venda realizada por meio de interposta pessoa e, consequentemente, sem o consentimento exigido pela lei.
É importante destacar que a referida ação pode ser ajuizada antes mesmo do falecimento do vendedor, ou seja, não é necessário aguardar o falecimento da pessoa que vendeu o imóvel para que as providências necessárias sejam tomadas, sob pena de perderem o prazo para o ajuizamento da ação.
Qual é o prazo para o ajuizamento da ação anulatória?
O prazo para buscar a desconstituição da venda realizada por meio de interposta pessoa é de 2 anos.
Esse foi o entendimento adotado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente, confira:
A venda de bem entre ascendente e descendente, por meio de interposta pessoa, é ato jurídico anulável, aplicando-se o prazo decadencial de 2 (dois) anos previsto no art. 179 do CC/2002. STJ. 3ª Turma. REsp 1.679.501-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/03/2020 (Info 667).
Perceba que, assim como no caso em que a venda entre ascendente e descendente é realizada sem a aceitação dos demais herdeiros, no caso da venda realizada por meio de um “testa-de-ferro” (interposta pessoa), o negócio também será anulável, e não NULO.
Dessa forma, o entendimento no STJ é no sentido de que a venda por meio de interposta pessoa nada mais é que uma forma de tentar contornar a exigência de concordância dos demais descendentes e do cônjuge. Assim, a venda realizada por um terceiro deve ter o mesmo tratamento legal.
Em resumo, o entendimento é de que a venda realizada por meio de interposta pessoa se submete aos efeitos da anulabilidade e não da anulação. Além disso, existe um prazo para que as partes interessadas busquem a desconstituição do negócio, e esse prazo é de 2 anos.
A intenção deste conteúdo é informar que é possível efetuar a venda de um imóvel para um descendente, desde que as formalidades legais sejam devidamente observadas no momento da realização do negócio.
Recomenda-se cautela no momento da compra e venda, a fim de que todas as exigências sejam observadas e todos os requisitos sejam cumpridos, pois isso evitará muitos problemas futuros. Além disso, uma análise detalhada da situação, por intermédio de um profissional especialista no assunto, evitará transtornos emocionais e financeiros desnecessários após a venda.
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